Sustentabilidade | 13 de janeiro de 2024

Entenda o que é biofilia e porque esse não é um sinônimo de sustentabilidade

Explorando a biofilia: entenda como este conceito, que conecta seres humanos com a natureza dentro de espaços construídos, transcende a simples sustentabilidade para promover bem-estar e produtividade, mas com complexidades que desafiam sua equivalência direta com práticas sustentáveis.

Conceito que vem ganhando espaço na arquitetura e na construção, ideia de trazer a natureza para dentro das edificações nem sempre traz ganhos no campo da sustentabilidade

Vinícius Veloso

Termo de origem grega (bios significa vida e philia tem relação com a afeição), a biofilia pode ser entendida como o amor pela vida. A sua popularização veio com a publicação de um livro escrito pelo ecólogo americano Edward O. Wilson, em 1984. Porém, o autor não foi o primeiro a utilizá-lo. Esse reconhecimento fica com o psicanalista alemão Erich Fromm, que empregou a palavra para descrever a orientação psicológica de atração por tudo aquilo que é vivo e vital.

Saindo da psicanálise, o conceito de biofilia está cada vez mais presente nos setores da arquitetura e da construção — tendo o objetivo de conectar os humanos com a natureza e promover o bem-estar. Para isso, traz o meio ambiente para dentro das edificações, com o intuito de gerar mais saúde, sensação de relaxamento e alento emocional para os ocupantes dos imóveis. Tudo sem renunciar ao conforto e a qualidade que o empreendimento oferece.

Exemplo de solução de biofilia que pode ser adotada em um projeto é a incorporação de elementos como vegetação, água, pedra, madeira e luz natural no ambiente. São opções que têm espaço em diversas tipologias de construções, indo desde obras residenciais e corporativas até espaços educativos, varejistas, de saúde, hoteleiros, industriais, entre diversos outros. O propósito é estimular sentimentos como tranquilidade, satisfação e calma.

 

Porque a biofilia vem crescendo

Relatório elaborado pelo Human Spaces, com título “O Impacto Global do Design Biofílico no Ambiente de Trabalho”, aponta que 15% dos profissionais que atuam em um escritório com elementos naturais apresentam maiores níveis de bem-estar. Isso quando são comparados àqueles que não têm contato direto com esses diferenciais nos seus espaços de trabalho.

O estudo detalha, também, o case da sede da Genzyme Corporation, multinacional da área de biotecnologia. Executado em 2004, o edifício possui bom aproveitamento da iluminação natural, cortinas de vidro que estabelecem uma relação interior-exterior, um átrio central com

lustres cujas bases refletem a luz solar, jardins internos e recursos hídricos. Com isso, o projeto conquistou a certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) Platinum.

Após 18 meses da inauguração, uma pesquisa foi elaborada com os profissionais que trabalham no prédio. O resultado mostrou que 88% dos entrevistados se sentiram melhores com a vista e o acesso direto aos elementos naturais dentro do escritório e que 75% desse público desenvolveu um sentimento mais forte de conexão com os seus colegas de trabalho.

Esse é apenas um exemplo do porquê o conceito de biofilia vem crescendo em projetos de escritórios. Empresas que investem nesse tipo de arquitetura e construção também registram um aumento no nível de produtividade e no envolvimento das equipes com o trabalho diário.

Mas, não é apenas nos projetos corporativos que essas soluções conquistam espaço. Nas residências, a concepção de áreas com elementos naturais amplifica a capacidade do imóvel se transformar em um refúgio onde o morador recupera as suas energias. Afinal, a proximidade com a natureza reduz o estresse, melhora o humor, promove a saúde, entre outras vantagens.

Já no varejo, as lojas que contam com iluminação natural podem aumentar as suas vendas em 40% — de acordo com estudo realizado pelo Eneref Institute. Isso acontece porque os clientes percebem melhor os produtos que recebem a luz natural, o que favorece a decisão de compra.

A adoção da biofilia no projeto também pode proporcionar vantagens que amplificam o bem-estar dos ocupantes da edificação. Por exemplo, a criação de jardins verticais ou telhados verdes auxilia no conforto térmico dos ambientes internos e na qualidade do ar. Já o melhor aproveitamento da iluminação natural reduz a necessidade de lâmpadas sempre ligadas.

Ou seja, são diversos os benefícios que justificam o crescimento da aplicação do conceito de biofilia nos setores da arquitetura e da construção civil, principalmente, nesses últimos anos.

 

Biofilia x sustentabilidade

Olhando de maneira ampla, projetos em conformidade com o conceito de biofilia parecem ser sempre mais sustentáveis. Entretanto, tal pensamento muitas vezes não é verdadeiro. Imagine um escritório com amplas janelas que promovem a entrada da iluminação natural. Além da luz do sol, esses vãos também permitirão que o calor avance para os ambientes internos — sendo necessário o uso de sistema de ar-condicionado para tornar os espaços agradáveis (elevando o consumo de energia e indo contra os princípios da construção ecologicamente mais correta).

Outro ponto de destaque é que se a introdução de elementos naturais não for feita de maneira cuidadosa, tal ação pode ter impacto negativo na biodiversidade local. A utilização inadequada de plantas ou a remoção de habitats naturais prejudicam ecossistemas. E mais: se as espécies escolhidas não se adaptarem bem ao ambiente, podem demandar cuidados extras que envolvem o uso excessivo de água, fertilizantes ou pesticidas para mantê-las saudáveis.

Também existe o fato de que alguns materiais naturais não têm bom comportamento em relação à temperatura. É o caso das pedras que apresentam elevada condutividade térmica e prejudicam o conforto do ambiente quando empregadas sem os devidos critérios técnicos.

Vale lembrar, ainda, que a sustentabilidade não envolve apenas aspectos ambientais, mas também os pilares social e econômico. Se um projeto biofílico não levar em conta o bem-estar das comunidades locais ou a acessibilidade para todos, não será verdadeiramente sustentável.

Ou seja, é importante reconhecer que a incorporação de elementos naturais nem sempre garante automaticamente a sustentabilidade total do projeto. Para que a obra seja verdadeiramente “verde”, é crucial adotar uma abordagem holística que leve em consideração não apenas a estética e a conexão com a natureza, mas também as práticas construtivas, a correta escolha de materiais, a eficiência energética e os impactos sociais e ambientais. Sendo que a integração desses aspectos deve estar presente desde o início da concepção do projeto.