Seja por preconceito ou simples desconhecimento, alguns profissionais da construção civil ainda têm certa resistência. Entenda! Vinícius Veloso De acordo com dados de 2019 da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), cerca de 21% dos resíduos gerados diariamente pelo setor da construção no país são destinados ao processo de […]
Seja por preconceito ou simples desconhecimento, alguns profissionais da construção civil ainda têm certa resistência. Entenda!
Vinícius Veloso
De acordo com dados de 2019 da Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (Abrecon), cerca de 21% dos resíduos gerados diariamente pelo setor da construção no país são destinados ao processo de reciclagem (290,5 toneladas). O número está bem longe de atingir o seu potencial máximo. Afinal, ainda segundo a entidade, 98% de todo o resíduo da construção é passível de reaproveitamento — e se isso acontecesse, de fato, seria material suficiente para ajudar a construir em torno de 2,1 mil Maracanãs.
São vários os fatores que ajudam a explicar a discrepância entre os números, sendo que um deles é a resistência que ainda existe no mercado em relação ao aproveitamento de produtos reciclados. Apesar de proporcionarem benefícios econômicos e ambientais, essas soluções sofrem com certo desconhecimento por parte importante dos profissionais do mercado — que erroneamente as julgam de qualidade inferior pelo fato de serem provenientes de resíduos.
Entretanto, o que essas pessoas não sabem é que o processo de reciclagem é realizado em ambientes industriais com controle de qualidade. Cada tipo de resíduo passa por um procedimento específico, mas todos são executados de maneira criteriosa para que o material final possa ser reaproveitado de muitas maneiras e sem nenhuma preocupação para o usuário.
É possível mencionar, por exemplo, a reciclagem do gesso que começa na coleta e armazenamento das sobras, que são separadas de outros elementos, como madeira e metais. Esse volume é posteriormente transportado por veículos que precisam estar em conformidade com a legislação municipal. Quando chegam às usinas responsáveis pela reciclagem, passam por processos de moagem e calcinação. Ambos os procedimentos fazem com que o gesso readquira as características químicas da gipsita e possa retornar ao início da cadeia produtiva.
Ou seja, um grande ciclo que conta com o uso de equipamentos especiais e toda a atenção para que o material possa ser reutilizado e evite a extração de matéria-prima, poupando recursos naturais. Tamanho cuidado com a qualidade não é exclusividade apenas do gesso. Vale lembrar, ainda, que esse conceito está em sintonia com a ideia de economia circular.
Gargalos dos materiais reciclados
Um levantamento da Abrecon, mencionado pelo site da FecomercioSP, mostra que a venda de agregados reciclados enfrenta como principais dificuldades a inexistência de uma legislação que incentive o aproveitamento desse material (questão destacada por 31% dos ouvidos durante a pesquisa). Na sequência, aparecem a alta carga tributária e a falta de conhecimento dos profissionais do mercado, ambos os tópicos ressaltados por 26% dos entrevistados.
Por que usar materiais reciclados?
A crescente preocupação de construtoras com a sustentabilidade e a popularização do conceito de ESG na construção civil são duas situações que têm o potencial de impulsionar o uso de materiais reciclados em projetos nacionais. Além dessas duas circunstâncias, existem outros benefícios que podem justificar a escolha por esse tipo de solução.
A começar pelas mais conhecidas, é possível mencionar a redução no impacto ambiental e menor consumo de recursos naturais finitos como madeira e minerais. Nessa relação é possível inserir, ainda, a economia de água e de energia — recursos indispensáveis no processo de fabricação de muitos materiais. Há, também, menos emissão de gases poluentes na atmosfera.
Incentivar o aproveitamento de produtos reciclados é prática que ajuda na mitigação de um problema comum em muitos centros urbanos: o grande volume de materiais destinados aos aterros sanitários. Com parte desses resíduos sendo encaminhados para a reciclagem, torna-se menor a quantidade de entulho descartado que acaba sendo levado para esses espaços.
Entre as vantagens dessa prática estão, ainda, o custo reduzido das soluções recicladas e a contribuição desses produtos para a obtenção de certificações de sustentabilidade. Outro fator muito importante é a melhora na imagem corporativa da empresa. Muitas construtoras acreditam que optar pelos itens reciclados deprecia o preço de seus projetos, mas em uma sociedade que está cada vez mais preocupada com a questão ambiental, o efeito é exatamente o inverso. Edifícios de acordo com as boas-práticas de sustentabilidade têm valor aumentado.
“O mercado já entendeu que as boas práticas reduzem substancialmente o risco para investidores. Uma pesquisa da FGV, de 2018, mostrou que projetos com selo LEED representavam aumento de 4% a 8% no valor do aluguel — e a vacância era menor”, comentou Felipe Faria, diretor do GBC Brasil, em entrevista concedida ao jornal Valor Econômico.
Exemplos pelo mundo
Existem diferentes projetos que demonstram que é possível usar materiais reciclados sem perder qualidade. Uma dessas obras é o Museu Histórico de Ningbo, localizado na China e que foi executado com o uso de detritos de algumas edificações antigas que existiam no lugar onde aconteceu a construção do empreendimento cultural.
Outro destaque é o prédio do Conselho da União Europeia, na Bélgica. Construído na década de 1920, o projeto contou com o reaproveitamento de milhares de esquadrias provenientes de diferentes países daquele continente. A ideia dos arquitetos era representar na fachada do empreendimento um conceito defendido pela entidade — que a troca das janelas dos edifícios por vidros duplos contribuiria para economia de energia com ar condicionado.
Na Cornualha, Reino Unido, está localizado o The Eden Project, atração turística que conta com a maior estufa do mundo. Parte do aço utilizado na estrutura é proveniente da recuperação de sucata industrial. Já o EcoARK, em Taiwan, é um centro de exposições concebido a partir de 1,5 milhão de garrafas PET recicladas — material que foi transformado em uma espécie de tijolo usado na construção do espaço, que conta com excelente índice de isolamento termoacústico.